18 de outubro de 2017

para Gael ler #1

De certo, como quem não quer nada, você surgiu num resultado positivo de uma tarde de segunda. Nunca tive problemas com a segunda-feira e essa, em especial, foi de gelar a espinha como quem desce uma montanha russa. Eu estava tranquila, mas na verdade, eu não estava entendendo muito bem. Hoje você se mexe com muita frequência me lembrando do prazer que tem de viver. Isso porque nem conhece o sabor da comida dos seus avós ou a sensação de dormir abraçada pelo amor dos gatos.

Enquanto você samba em meu útero, me pego pensando em como será. O mundo não anda do jeito mais belo, Gael. David e eu estamos tentando. Ajustamos nossas ações às nossas ideologias, ajustamos nossos cômodos à nossa realidade, ajustamos nossa vida ao que sentimos ser o caminho... queremos ensinar tanta coisa, queremos evitar que você seja tudo aquilo que repudiamos, queremos e só queremos, pois esquecemos que você já mostra personalidade desde o momento que chegou. E esquecemos que desde o início, quem está nos ensinando é você: a repensar, a refazer e reavaliar.

Num dia de crise de choro interminável, perdida em quem era eu a partir da maternidade, me peguei envergonhada por meu empobrecimento espiritual. Ainda não sei quem será a Nathália de março, mas espero não ser mais só a Nathália de maio. Se tem uma palavra que eu desejo a você o reconhecimento do significado e a prática constante é evolução. Não pare. Mude sempre, mas mude para melhor. Mude e re-seja. Mude e não perca a ternura, meu filho.

Apesar de difícil, seus pais ainda têm muita esperança pelo mundo no peito.

13 de setembro de 2016

levanta daí.

de toda a polêmica sobre o texto de Gregório, eu só conseguia me apegar ao fato de que Clarice estava dançando uma música da Alanis. exatamente uma música que fala sobre os planos não realizados de um casal separado. e claro, da dor de ser deixada.
no álbum Jagged Little Pill, Alanis está ácida, agressiva, magoada mas forte o bastante pra gritar seus monstros enquanto rodava seu enorme cabelo pelo palco. "you oughta know" (citada no texto) é uma das músicas desse álbum e quem ouve pode até escorregar no pensamento que é sobre amor, mas, na verdade, ela tá escancarando ali uma dívida que o outro assumiu com ela, mas que ele tá vivendo de boa sem quitar.
Gregório tentou fazer poesia com suas memórias afetivas com Clarice e acabou esbarrando no discurso da posse sobre o outro. acabou esbarrando na cobrança das dívidas que surgiram entre as promessas e planos a dois.
não culpo. 
a gente costuma se apegar às palavras como quem tem um contrato registrado em cartório. mas não tem. e precisa lembrar -sozinho - que não tem.
se Gregório pegar o álbum pra ouvir, mais a frente vai encontrar uma resposta da Alanis pra ele. mas poderia ser da Clarice ou de qualquer outra mulher que carrega o peso de não levar à frente um relacionamento que tinha apostadores: não sou sua médica, nem sua mãe e nem seu curativo. não sou sua. não te devo isso.

11 de fevereiro de 2016

muro das lamentações #1



por mais que você queira guardar pra si, há uma sombra dizendo a todos: a água ali correu pro lado errado. mas não quer repetir, não quer fazer disso tempestade. quer ver se passa. quer só ver se passa.

não sabe ao certo se tem direito sobre o que pensa poder cobrar, então... guarda pra si.

ela nunca vai entender certas coisas, certos hábitos, certas obsessões, então não pergunte. não comece uma cena de filme, não desarme a bomba. ela quer falar, quer jogar tudo pro alto, quer chorar e depois se desculpar, mas ela quer muito mais te culpar por tudo que está fora do eixo, então não pergunte.

não pergunte, porque por mais que ela queira guardar pra si, ela segura uma sombra dizendo a todos: a água ali correu pro lado errado.

foto: sophie ha

24 de junho de 2014

retrato para maura

mergulhada numa tranquila fúria, não sabe bem como domar todas essas emoções escandalosas...
então sobe mais uma vez, ofegante, para pegar ar.
e de novo,
pula.

pula no silêncio a fim de reencontrar sentido: já não sabe como voltar.

encontrou na loucura o caminho certo para se deixar perder. e perder-se é ludibriar a vida. é enganar a rotina. é matar, devagarinho, a crença de que o erro pode ser apontado.

o erro, na loucura, é sempre perdoado.


28 de maio de 2014

criadouro de minhocas

era tudo meio sem sentido, confesso. 
as conspirações perfeitas, os encaixes de interesses. 

a loucura estava batendo à minha porta e eu abri. 
como um bicho faminto, que rói até os ossos, pude perceber o caminho exato que ela estava fazendo.

e eu, sã que sou, deixei.

cotidiano

tratou de por de volta os selos em cima da mesa.
preparou caneta, folhas e pensamentos.
preparou o coração para se deixar transbordar e colocar no papel a saudade que estava de te falar

falar das coisas que passam na rua, dos cheiros que sente no ar
falar da ultima receita que encontrou pra tentar parar de fumar
falar dos vícios de linguagem e dos filmes repetidos preferidos da tv
falar que adora uma música dramática porque pra ser feliz, basta viver

transformou em cotidiano: chegar, sentar e te escrever.
sair, cantarolar e voltar louca para te receber. 
transformou em cotidiano: organizar letras, escrever à mão, dobrar, colar e postar.
esperar três dias, pensar na resposta e depois te ler.

bom ter você de volta...
estava mesmo com saudade, amiga.

30 de maio de 2012

maria ou a insustentável leveza do ser

quando a bula já não pode mais segurar as paredes rachadas
quando o riso inquieto e a empatia contagiante é nada mais que um tipo de grito
quando a cor negra perde espaço para o cinza pálido
quando ir pra casa já não é mais deitar a cabeça para descansar
quando olhar para o céu é despedir-se da própria fé

quando se é maria e não se sabe mais quem se é.